terça-feira, 26 de janeiro de 2016

dispensa de perfeição

t. wants to videotalk with me. not a chance in bloody hell. he would be able to see how tired, dishevelled, old, hopeless and overworked I am right now. há miúdas que fazem isto todo o santo dia, o que interessa é o aspecto (aspêto) na caixinha móvel. nós, os últimos guerreiros livres, insubmissos. atrapalhados, calões, vagabundos, perdidos da vida e com maus dentes. todos os risos são agora pepsodent e o riso pepsodent passou a ser a frase de um tempo passado.
o marido da m. foi "dispensado", o último do seu departamento, com um salário grande de profissional especializado com trinta anos de experiência. ela quer enviá-lo para acções solidárias ou outros entretenimentos porque o homem está a dar em louco em casa. louco de não ter programa, louco de fazer contas ao que tem e ao tempo que ainda falta para pedir a reforma. é um homem no auge da sua capacidade de trabalho eficiente.
are you happy with your life today? todos os dias dou graças para cair nas boas graças dos deuses, que me mantenham por muito tempo neste pico de montanha em vias de desmoronamento. a ilusão é breve.
o., esse engenheiro louco e de riso fácil, não chega a sentir que é dor a dor que deveras sente. é o caminho dos loucos, dos apaixonados, dos idealistas e dos que acreditam com o corpo e com a fé em alguma coisa, como os revolucionários, o revolucionário que sempre foi desde rapazinho quando o conheci com a cara cheia de borbulhas, as que eu tinha na testa. tudo ia ser diferente e possível, vamos conseguir isto e aquilo, tenho estes planos todos e vens comigo. vou! não fui.

sábado, 23 de janeiro de 2016

sufixar

querida Miriam, aprendo turco, custe o que custar: sem livros, sem professor, sem tempo, sem turcos. é um desafio de pelo menos três anos já. Ayse, a rapariga da Anatólia que me tentava ensinar a loucura dos sufixos pelo meio das nossas conversas de geo-política, sumiu-se para Ankara e não sei se regressa.
a culpa foi toda do j. que, das possíveis ofertas, escolheu o Kara Kitap. de repente foi um novelo e encontrar a alma-gémea numa cidade. aquele lugar é como olhar-me de fora. se as teias dos meus enredos ganhassem forma, essa forma seria Istambul. dura, doce, mergulhada do tempo, no caos, no fio da navalha, onde tudo são espelhos e nada corresponde à literalidade da luz lisboeta. violência, uma, amabilidade triste, outra.

quase nos cinquenta tenho dezoito antes que se abram os portões de ferro, diz o poeta. quem sabe, ninguém sabe, o mundo é sonho.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

bem-vindo

não havia anda de novo para além de muito cansaço, mas decidiu, decidi, que o inverno não é o que dizem, e que não é o túnel negro que preciso atravessar, sobreviver, até à luz da primavera. há dois invernos, no pico da situação periclitante - caída nas urgências com oxigénio na cara - fiz uma estação baixa de acrílicos e pincéis, o canto do cisne dos olhos que tinha.

gostaria de dizer que as palavras se tornam mais fáceis. escrevo o tempo todo, para viver, mas é outra coisa. vejo que quanto mais se escreve mais se fica calado, como se a imagem da coisa pensada dispensasse o som.

então, no início do ano, como se estivesse sentada no alto de um escorrega e todos os meses fossem só parte da descida. hoşgeldiniz.

somos assim, não é verdade

bastam umas linhas, um parágrafo ou por vezes menos ainda e já sabemos que tal pessoa as escreveu. há impressões digitais menos nítidas. sob as palavras não há esconderijo.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

neblina matinal

desde o início da crel até começar a subir a serra magnífica para fátima, a madrugada esteve cheia de nuvens rasteiras e nevoeiro. tudo branco e em fátima o céu claro e a paisagem nítida.
de repente estava rodeada de leitores inconvenientes e era preciso abrir uma porta dos fundos para um pátio interior, que é este. as folhas estão no chão porque se perdem; o pátio é ventoso e há folhas a remoinhar pelo ar, não lidas e que nunca mais serão avistadas por olhos nenhuns. também há as folhas do castanheiro do vizinho, ou as folhas do castanheiro de Hikmet, apetece dizer uma desfolhada. o turco e a Simone (que de voz revolta passou a pregoeira de banhas da cobra) acertaram ambos o significado, em certos ramos, uma certa mágoa. 'oh minha terra / minha aventura / casca de noz / desamparada.' anos mais tarde Saramago soprou a casca para o mar, Portugal à deriva na Jangada de Pedra.
há livros onde este pátio aspira a ser os jardins do paraíso, mas a tanto não me poderia atrever. fiz as contas a vinte anos, em tendo uma extrema sorte. não há tempo a perder.


quarta-feira, 17 de junho de 2015

quarta-feira, 10 de junho de 2015

do som

o som da voz é uma janela da memória e permanece por muito tempo, mesmo depois de tudo já ter passado, o rosto desaparecido quase excepto uns traços. distraída a olhar para nada, a voz devolve uma memória ao sol, as sardinheiras entre a nossa conversa e o canal verde, uma bandeira de verão.